Projeto de pesquisa e de extensão
Promoção: gabinete da reitoria da UFBA
Instituições envolvidas: UFBA/UNEB/USP/UFRJ
Palavras-chave:
corpo, cidade, canção, arte, cotidiano, contracultura, desbunde, curtição, política
Esta pesquisa dedicou-se a localizar um conjunto mínimo de livros que refletisse sobre o fenômeno da canção popular brasileira e que foram publicados entre os anos 1970 e 1983 – em suas edições originais: primeira, segunda ou terceira edição publicadas no interstício de 14 anos – e que circularam nos meios editoriais, acadêmicos e jornalísticos.
Os autores dos livros, no que concerne ao tema “canção popular”, já eram ou se tornaram nos anos seguintes importantes intelectuais da cultura nacional de diversas áreas (críticos literários, jornalistas, pesquisadores, historiadores, filósofos, poetas e compositores da MPB) e compuseram um instigante mosaico do universo analítico e musical do período. A leitura e análise dessas publicações nos revelou que as “práticas da escrita” da época oscilava entre a sisudez das teorias em voga – teoria crítica, desconstrucionismo e o já vacilante estruturalismo – abalado por um dito “pós-estruturalismo” – até uma elaboração vanguardista da linguagem, sobretudo nos exercícios de uma escrita que absorve a deriva “desbundada” e contracultural.
Experimenta-se momentos de alternância, radicalidade, contradiscursos, guerrilhas textuais e teóricas, delírio e confusão, entretanto, notamos que há um esforço sincero de compreender a canção brasileira, marcada pela profunda percepção de estar num novo mundo de informações globalizadas aparadas por grandes empresas de músicas que propiciavam o consumo das “modas” musicais internacionais, ao tempo da valorização de um “consumo” massivo de um produto interno acessível e que contribuísse para a formação desse mercado de massa. A MPB, nos parece, em todos os textos ao mesmo tempo sitiada, mas elaborando uma saída soberana: a invenção de caminhos composicionais diversificados, inusitados e de extrema sofisticação.
Dentro desse quadro, notamos as linhas de forças internas, aproximações e verdadeiros embates entre os autores: o seguimento repetitivo da tradição ou sua reinvenção permanente; a vertente nacionalista ou subserviência aos modelos “enlatados”; a análise teórica acadêmica ou a recusa de interferência em um campo destinado aos músicos, cantores, compositores; a tensão viva – ou mesmo batalha- entre jornalistas e os compositores das canções e por fim o dilema entre a “criação” – representado pelos autores-, e o “consumo” – representado por grandes gravadoras internacionais e seus gerentes nacionais.
Dividimos os livros pelos seus autores, em um total de 34 livros, sendo que cinco são fascículos comercializados em bancas de revista da coleção “História da Música Popular Brasileira” e “Nova História da Música Popular Brasileira”, os quais vinham acompanhados com um Lp de 10 polegadas; três revistas, sendo uma “Revista de Cultura Vozes” e 11 volumes da “A História e a Glória do Rock”, sendo 10 volumes copilados em um livro; são sete livros de jornalistas, dentre eles Ana Maria Bahiana e Tarik de Souza, aqui compreendidos como os que mais contribuíram com a propagação dessas vozes ao publicar diversos artigos/entrevistas que detalham os inúmeros debates da cena do período; são seis livros de compositores/artistas, particularmente os organizados por Waly Salomão e Antônio Risério, que trazem os ditos e escritos de Caetano Veloso e Gilberto Gil respectivamente, destacamos também os dois livros de Jorge Mautner que através de uma escrita contracultural e experimental coloca em questão as discussões sobre MPB polemizando com a mídia e pesquisadores do período; por fim, são dezesseis livros de críticos/pesquisadores, o que indica que nesta década de 1970-1980 o tema canção começa a circular também no meio acadêmico, o que é verificado com autores como Silviano Santiago, Celso Favaretto, Jose Miguel Wisnik, Gilberto Vasconcelos, Afonso Romano Santana, Heloisa Buarque de Holanda, entre outros.
A seção de livros políticos é um conjunto de publicações a partir de 1977 à 1982, que foram aparecendo no brasil com o afrouxamento da censura e o advento do processo de redemocratização e anistia dos exilados e presos políticos. Havia uma urgência de recontar nossa história recente, exercitar e ampliar as linhas que demarcavam a expressão pública (o que ocorre também no campo da canção).
Ao livro de maior sucesso – “O que é isso Companheiro”, de Fernando Gabeira -, seguiram-se outras memórias dos militantes de esquerda – como Alfredo Sirkis e Alex Polari -,inclusive angariando alguns jabotis e tiragens inimagináveis, identificamos livros com mais de 10 edições em um único ano, o que demonstra que havia um público ávido por esse tipo de leitura. Além dos doze livros de memórias, há três livros de cartas, dois livros de poesia, uma biografia romanceada e sete livros de ensaios: um livro de ensaios políticos de Mariguella, dois de ensaios acadêmicos e quatro de ensaios jornalísticos. A leitura destes livros contribui com a pesquisa de forma a contextualizar os debates políticos que aconteciam na época e que, de certo modo, reverberava no ambiente musical.
Uma crescente politização da vida pública e privada passa a ser detectada através tanto desses livros (que denunciam o regime ditatorial, as torturas inadmissíveis numa sociedade democrática, as tentativas de congelamento da vida privada e o “ar pesado” da repressão e controle dos movimentos sociais) quanto das canções que se afirmam lentamente entoadas nos palcos, rádios, tvs e festivais. O que se queria era a criação de espaços de trocas simbólicas, através de uma algaravia discursiva que, àquele momento, desse conta das diversas intensidades que atravessavam a vida coletiva nacional.
Esperamos que a esse primeiro esforço, o qual produziu uma bibliografia ainda parcial do período, possa ser ampliado no sentido de ter uma percepção mais abrangente das discussões entre os meios acadêmicos, jornalísticos e musicais. Que outros pesquisadores possam se debruçar sobre artigos publicados em jornais como Opinião, Folha de São Paulo e Jornal do Brasil; sobre entrevistas de compositores, músicos e produtores; sobre dissertações, teses, artigos e livros restritos aos meios acadêmicos que analisam o estudo da canção popular brasileira num dos mais marcantes e incríveis períodos da história de nossa música.
Complementa esse trabalho a pesquisa em curso: “Discoteca básica dos anos de 1970 à 1980”, na qual foi agrupados discos de cantores e compositores que estavam relacionados com a Tropicália, a contracultura, o desbunde. Até o presente momento foram levantados um total de 92 discos de dezessete artistas diferentes, dentre eles estão: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Smetak, Tom Zé, Jards Macalé, Walter Franco, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Jorge Ben Jor, Milton Nascimento.
* Texto escrito por:
Washington Drummond
Eloisa Marçola
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